30 outubro 2008

reprogramação mental

resolvi retomar velhos hábitos, os que me deixavam tão próxima do que eu queria me afastar. e só porque agora já não dói mesmo - e não dói mesmo - decidi fazê-los diários. são músicas, doces, cheiros, programas de tv, um monte de quase tudo que há por aí. só pra constar seguidamente que a ferida tá quase cicatrizada. digo quase porque o cheiro dele eu ainda não superei. mas eu chego lá.



trago então uma das músicas que compõem essa história que me deixou cheia de marcas.





http://www.youtube.com/watch?v=zLGfdthd4YA

28 outubro 2008


"As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu porém, terás estrelas como ninguém... Quero dizer: quando olhares o céu de noite, (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá). Terás vontade de rir comigo. E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto... e teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!"

Trecho d'O Pequeno príncipe... o que marquei na pele.

25 outubro 2008

A melhor resposta


Para saber quem somos, basta que se observe o que fizemos da nossa vida. Os fatos revelam tudo, as atitudes confirmam. Quem é você? Do que gosta? Em que acredita? O que deseja? Dia e noite somos questionados, e as respostas costumam ser inteligentes, espirituosas e decentes.Tudo para causar a melhor impressão aos nossos inquisidores.

Ora, quem sou eu. Sou do bem, sou honesto, sou perseverante, sou bem-humorado, sou aberto - não costumamos economizar atributos quando se trata da nossa própria descrição. Do que gostamos? De coisas belas. No que acreditamos? Em dias melhores. O que desejamos? A paz universal. Enquanto isso, o demônio dentro de nós revira o estômago e faz cara de nojo. É muita santidade para um pobre-diabo, ninguém é tão imaculado assim.

A despeito do nosso inegável talento como divulgadores de nós mesmos e da nossa falta de modéstia ao descrever nosso perfil no Orkut, a verdade é que o que dizemos não tem tanta importância. Para saber quem somos, basta que se observe o que fizemos da nossa vida. Os fatos revelam tudo, as atitudes confirmam. O que você diz - com todo o respeito - é apenas o que você diz. Entre a data do nosso nascimento e a desconhecida data da nossa morte, acreditamos ainda estar no meio do percurso, então seguimos nos anunciando como bons partidos, incrementamos nossas façanhas, abusamos da retórica como se ela fosse uma espécie de photoshop que pudesse sumir com nossos defeitos. Mas é na reta final que nosso passado nos calará e responderá por nós. Quantos amigos você manteve. Em que consiste sua trajetória amorosa. Como educou seus filhos. Quanto houve de alegria no seu cotidiano.Qual o grau de intimidade e confiança que preservou com seus pais. Se ficou devendo dinheiro. Como lidou com tentativas de corrupção. Em que circunstâncias mentiu. Como tratou empregados, balconistas, porteiros, garçons. Que impressão causou nos outros - não naqueles que o conheceram por cinco dias, mas com quem conviveu por 20 anos ou mais. Quantas pessoas magoou na vida. Quantas vezes pediu perdão. Quem vai sentir sua falta. Pra valer, vamos lá. Podemos maquiar algumas respostas ou podemos silenciar sobre o que não queremos que venha à tona. Inútil. A soma dos nossos dias assinará este inventário. Fará um levantamento honesto. Cazuza já nos cutucava: suas idéias correspondem aos fatos? De novo: o que a gente diz é apenas o que a gente diz. Lá no finalzinho, a vida que construímos é que se revelará o mais eficiente detector de nossas mentiras.

Martha Medeiros

24 outubro 2008

De novo Caio

Eles


O que eles deixaram foram estes três postulados: importante é a luz, mesmo quando consome; a cinza é mais digna que a matéria intacta e a salvação pertence apenas àqueles que aceitarem a loucura escorrendo em suas veias. Nem foram notados a princípio, por isso ninguém sabe dizer a data exata de sua chegada. É provável que desde o começo tivessem se estabelecido no bosque, afinal você sabe que por aqui não há outro lugar onde pessoas como eles pudessem passar assim despercebidas como eles passaram, a princípio. Aqui todos se conhecem, tudo é pequeno e sem mistério, ou era, antes, há apenas esse bosque sobre a colina, e talvez por medo de penetrarem no impenetrável de um mistério qualquer, ou mesmo por preguiça de se movimentarem de seus lugares, os moradores daqui nunca vão ao bosque, ou nunca iam, não sei mais. Apenas alguns namorados, mas muito raramente, porque ao voltarem todos sabiam que tinham ido e as mulheres daqui, as mulheres mais velhas, não perdoam jamais. Por isso, às vezes, eu penso que talvez eles estivessem aqui desde sempre, desde um começo que não se sabe quando começou. E ninguém saberia jamais se aquele menino não tivesse ido lá.

Aqui as pessoas dormiam muito, você sabe, não há sequer lenhadores porque existe o mar do outro lado, e é sempre mais fácil pescar do que derrubar árvores. Naquele tempo, as pessoas dormiam, pescavam, à noite colocavam suas cadeiras na frente das casas e ficavam olhando o céu. Às vezes apareciam luzes estranhas no céu, luzes estranhas fazendo estranhos percursos, mas nem isso os interessava, antes. Eu? Eu não tenho importância, não procure saber nada sobre mim porque ninguém saberá dizer, nem eu próprio, estou apenas contando esta história que não é minha e a que assisti como todos os outros habitantes da vila assistiram, talvez com um pouco mais de lucidez, eu, mas de qualquer forma, embora a bomba esteja nas minhas mãos, estamos todos no mesmo barco, no mesmo beco.

Se você quer ouvir, ouça. Mas não pergunte nada além do que eu direi, porque eu não saberia dizer, ou talvez não devesse, ou talvez mesmo eu chegue a dizer — por que não? Se você não quiser ou achar que estou mentindo ou que a história é desinteressante, diga logo, você não precisa ouvir, ninguém precisa ouvir: eu só queria que vocês soubessem que eles estão aqui, no meio de vocês, ainda que vocês não queiram ou não saibam.

Mas como eu ia dizendo, se aquele menino não tivesse ido lá ninguém saberia jamais, porque não creio que um outro menino ou qualquer outra pessoa se atrevesse a ir, inventavam coisas, cobras, plantas, animais estranhos, medos — e não se atreviam. Aquele menino, não. Aquele menino trazia na testa a marca inconfundível: pertencia àquela espécie de gente que mergulha nas coisas às vezes sem saber por que, não sei se na esperança de decifrá-las ou se apenas pelo prazer de mergulhar. Essas são as escolhidas — as que vão ao fundo, ainda que fiquem por lá. Como aquele menino. Ele não voltou. Quero dizer, ele voltou, mas já não era o mesmo, e quando se foi em definitivo não era mais o mesmo menino que tinha ido ao bosque um dia.

Não sei se você sabe que muitas pessoas trazem a mesma marca daquele menino. Algumas, a maioria delas, passam a vida inteira sem saber disso, outras descobrem cedo, outras tarde, algumas tarde demais, algumas nunca. Sei que se o menino não tivesse ido lá, não teria descoberto, seria no máximo um desses pescadores que olham o mar com olhar profundo. Você deve ter notado que há os que olham o mar com olhar profundo e os que olham o mar com ar torvo. Não só o mar. Os que trazem a marca, mesmo que não saibam dela, esses olham as coisas com olhar de sangue. Os que sabem da marca ganham uma luz estranha e uma lentidão e um jeito de quem sabe todas as coisas. Os outros todos olham todas as coisas com um olhar torvo. Os outros são escuros, estúpidos, pobres. Os outros não sabem. Quando aquele menino foi lá pela primeira vez, tinha apenas um olhar de sangue — mas quando foi pela última vez, o seu olhar já era de luz, era todo lentidão, complacência, compreensão, todo ele amor e sol.

Ele não era um menino comum, isso eu soube desde que o vi. Ainda que andasse vestido da mesma maneira que os outros, tivesse as mesmas conversas e as mesmas brincadeiras, eu sempre pressenti nele aquele sangue que não corria nos outros. As vezes, fazia perguntas que assustavam. E ficava horas sentado num lugar olhando qualquer coisa sem importância, uma pedra, um inseto, um grão de areia. Ninguém compreendia. Andava sozinho por lugares desconhecidos e voltava com o sangue dos olhos quase em luz. Eu pressentia que ele acabaria descobrindo, porque só ele poderia descobrir. Não, eu não sabia deles, talvez eu soubesse sempre, mas no fundo, ou na superfície, não sei, eu não sabia, não me pergunte agora, em algum lugar de mim eu não sabia, embora em outros soubesse, não tem importância que você não compreenda isso, porque estou acostumado com a incompreensão alheia, com a minha própria incompreensão, mais do que tudo.

Da minha janela eu via quando o menino voltava, todas as tardes, e foi numa dessas tardes que eu o vi descendo lento o caminho do bosque. Vinha mais lento do que de costume, e desde o momento em que sua silhueta apareceu na curva do morro, desde esse momento eu soube. Não que houvesse algo especial, além daquela lentidão não havia nada — mas é preciso estar com as sete portas abertas para saber quando as coisas se modificam. As coisas começaram a se modificar quando o menino apareceu lento na curva que levava ao bosque.
Foi quando eu senti, mais uma vez, que amar não tem remédio.

Acho que ele soube que eu sabia, porque baixou a cabeça quando me viu. Nunca tínhamos conversado, nunca conversei com ninguém daqui, desde que cheguei, e faz muito tempo, mas havia uma espécie de clima, eles tinham um certo respeito por mim, os habitantes da vila, e assim o menino. Por isso não me surpreendi quando a mãe dele me procurou, no dia seguinte. Chegou acanhada, sentou num canto, fez comentários sobre o tempo, olhou espantada para esses livros e esses quadros, e depois de várias palavras sem importância disse que estava muito preocupada com o filho. Então contou: ele havia visto três seres estranhos no bosque. Não sabia dizer se homens ou mulheres, eram altos, claros, tinham grandes olhos azuis e gestos compassados, cabelos compridos até os ombros, movimentavam-se mansos dentro de vestes brancas com amuletos sobre o peito. Falavam uma língua estranha e sorriam fazendo círculos em torno do menino e tocando-o de leve às vezes nos ombros, no peito, na testa Agora de tinha febre e delirava. Ela me pediu que eu fosse ao bosque, e eu disse que esperaria o menino melhorar para irmos juntos. Ela achou que eu tinha medo e disse que não queria que o menino voltasse lá. Mas eu disse que não iria sozinho, que o bosque era muito grande e apenas o menino poderia mostrar-me onde estavam as criaturas. Ela concordou, e quando o menino melhorou, poucos dias depois, uma tarde subimos ao bosque.

Nem eu nem ele falamos nada enquanto subíamos a montanha. Não era preciso. Quando entramos no bosque, senti que ele se modificava e seu olhar ganhava aquela espécie de luz de que falei a você. Foi então que eu o senti maior do que eu — maior porque sendo apenas um menino se atrevera a penetrar no que me assustava, embora soubesse do irreversível do que o menino vira. Porque você não pode voltar atrás no que vê. Você pode se recusar a ver, o tempo que quiser: até o fim de sua maldita vida, você pode recusar, sem necessidade de rever seus mitos ou movimentar-se de seu lugarzinho confortável. Mas a partir do momento em que você vê, mesmo involuntariamente, você está perdido: as coisas não voltarão a ser mais as mesmas e você próprio já não será o mesmo. O que vem depois, não se sabe. Há aquele olhar de que lhe falei, e aquelas outras coisas, mas nada sei de você por dentro, depois de ver.
Por isso eu não compreendia mais aquele menino a partir do momento em que penetramos no bosque. Não compreendia seu ato de coragem e seu despojamento em enfrentar o que eu desconhecia, e sua disponibilidade em se modificar penetrando em regiões talvez escuras e perigosas. Aquele menino era um homem mais velho e mais corajoso do que eu quando entramos no bosque. Não foi difícil encontrá-los. Acho que vieram logo ao sentir a presença do menino. Chegaram devagar, do meio das árvores, com suas vestes brancas e seus enormes olhos de luz.
Não sei explicá-los. Sei que eram espantosos. Pareciam não pisar sobre o chão, pareciam não ter peso nenhum: eram inteiros leveza, amor, bondade, embora houvesse na lentidão de seus gestos qualquer coisa de definitivo. Ainda que fossem belos e bons e mansos, qualquer coisa no seu gesto pressagiava o terrível de sua condição. Eram fortes. Cercaram o menino como velhos amigos, talvez irmãos, pois o menino se parecia com eles no jeito e no olhar. Emitiam sons estranhos e fragmentados, andavam à volta do menino numa ciranda, tocavam-no no ponto central da testa, e então seus olhos se faziam ainda mais claros, tocavam-no no plexo, e eu senti que o coração do menino batia com mais força, renovando um sangue que fluía nas veias feito fogo.

A mim? quase não deram atenção. Lembro apenas que em certo momento um deles tentou tocar-me, da mesma maneira como tocavam o menino, mas os outros dois detiveram seu gesto. Confabularam um instante entre si, depois sorriram como a desculpar-se por não poderem iniciar-me, por enquanto, pelo menos. Mas não fiquei humilhado. Sabia que meu papel era outro, sabia que eu ficaria, assim como o menino também sabia o que lhe estava destinado.

Apoiado numa árvore, deixei-me ficar durante muito tempo olhando aquela espécie de dança, e acho que de repente adormeci, um pouco porque anoitecia, mas principalmente porque talvez a minha ausência talvez fosse importante naquela hora. Quando acordei, estava tudo escuro e em silêncio. Não consegui encontrá-los, nem ao menino. Lembrei então que me espreitavam, antes que eu dormisse, e que colavam seus pulsos aos pulsos do menino e comunicavam qualquer coisa como ordens, e ele parecia entender, concordar. Um pressentimento me veio. Soube apenas que precisava voltar o quanto antes à vila. Era difícil me movimentar no meio dos galhos e das folhas e das raízes sem enxergar absolutamente nada, formas se enredavam em meus pés, coisas geladas tocavam meus braços, arranhavam meu rosto. Não sei quantas horas fiquei por ali, tentando sair, andando em círculos, aquele pressentimento negro me oprimindo o peito.

Acho que já era muito tarde quando consegui alcançar a estrada. E lá de cima vi o fogo. A vila ardia. Desci a montanha correndo, estava muito cansado mas havia alguma coisa que precisava ser salva antes que fosse demasiado tarde, embora eu soubesse que não conseguiria salvar nada, e que tanto o menino como aqueles três seres haviam escolhido o mais fundo que a simples salvação. Quando cheguei, a vila era um inferno. As casas queimavam e as pessoas corriam desesperadas tentando apagar o fogo. Fui perguntando como aquilo acontecera, disseram-me que tudo havia começado na casa do prefeito e se alastrara depois pelas casas dos outros líderes e que ninguém sabia ao certo como tudo começara: haviam apenas visto aquele menino olhando fixamente do meio da praça para a casa do prefeito, e depois o fogo, e que o menino não se movera do meio da praça, e repetira que o mais importante é a luz, mesmo quando consome, isso lhe dissera o primeiro ser, e que a cinza é mais digna que a matéria intacta, isso lhe dissera o segundo ser, e que se salvariam apenas aqueles que aceitassem a loucura escorrendo em suas veias. Com o olhar, ateava fogo às casas dos líderes, um a um. Chamaram sua mãe para que o detivesse, e foi ela quem falou dos estranhos seres. Dividiram a população em dois grupos: um deles tentava apagar o fogo enquanto o outro partia armado de tochas em direção à montanha.

Fiquei um instante sem saber o que fazer, procurei o menino no meio da praça, dos escombros e da cinza, mas não consegui encontrá-lo. Saí então para a montanha, tentei chegar na frente do grupo, mas eles estavam enfurecidos, os olhos torvos, as bocas cheias de espuma, ódio, incompreensão e noite. Eles estavam os três na entrada do bosque, como se esperassem. Exatamente como se esperassem. Não reagiram quando as pessoas caíram sobre eles, espancando-os até que uma substância clara e perfumada começasse a escorrer das feridas. Ao aspirarem essa substância as pessoas caíam ao chão, os olhos desmesurados, os movimentos descontrolados, fazendo e dizendo coisas sem nexo, como se tivessem tomado alguma droga. Pareciam embriagadas, loucas e felizes com o sangue dos três seres alucinando suas mentes. Não teriam conseguido subjugá-los se alguns dos habitantes não tivessem arrancado as camisas para taparem as narinas, evitando aspirar aquele perfume enlouquecedor.

A mim, não aconteceu quase nada: pouco mais que uma vertigem e algumas cores nunca suspeitadas e extremamente nítidas. Os homens com os narizes tapados pelas camisas amarraram e amordaçaram os três seres, depois carregaram-nos a pontapés pela montanha abaixo. Levei algum tempo para despertar da tontura e daquela loucura de cores e formas que envolviam meus sentidos. Quando consegui movimentar-me desci correndo a montanha. Ao chegar à vila era madrugada, o fogo fora dominado, embora as casas estivessem calcinadas e a cinza cobrisse as ruas. Havia apenas um grande fogo no meio da praça. Caminhei até lá, na esperança de salvá-los. Mas já não era possível. Estavam os três sobre uma fogueira que começava a lamber-lhes os pés. Afastei as pessoas que jogavam pedras e gritavam insultos — alguma coisa me dizia que precisava tocá-los. Quando consegui me aproximar, os três deixaram seu olhar cair sobre mim, seus olhos de luz deslizaram por sobre todo meu corpo até se deterem nos pulsos.

Então, senti a carne queimar e abrir numa ferida — voltaram os próprios olhos para os próprios pulsos, abrindo as mesmas feridas que libertaram uma substância clara —, depois, um de cada vez, colaram seus pulsos escorrendo substância clara contra meus pulsos escorrendo sangue. Senti que o meu sangue se dissolvia em contato com o sangue deles — e em breve sentia escorrer dentro de minhas veias aquele mesmo líquido ardente de loucura e alegria. O fogo já atingia seus joelhos quando, entontecido, comecei a me afastar. As cores se chocavam contra minhas retinas. E tudo era: belo não: não belo tudo: as coisas: elas próprias: as coisas verdadeiras: e profundas belas como: pode ser belo: também o terrível eu: me afastava entre céu e inferno tentando ver: beleza no fogo carbonizando: suas carnes claras o líquido: escorria farto e as: pessoas correndo enlouquecidas: vastas e miúdas: ruas. Fui afundando aos poucos numa vertigem em direção sem direção às cores multifacetadas multifacientes as faces e as formas e depois os roxos do amor e do nojo sobre um branco silêncio em branco como contra um muro nem fundo sem fim.

Quando acordei, só restavam cinzas. Três pequenos montículos de cinza clara boiando na substância estagnada — loucura coagulada. A população enlouquecida se estraçalhava pelas ruas. E de repente vi outra vez o menino: saía da vila em direção ao bosque. Corri atrás dele quis detê-lo para que me explicasse alguma coisa, mas quando voltou-se tive certeza de que não conseguiria mais atingi-lo: não era mais aquele menino. Era um deles, com os mesmos olhos azuis em luz, sem sexo, lento e decidido. Voltou-se e disse a única coisa que ouvi de sua voz. Uma coisa assim:
— Deixa que a loucura escorra em tuas veias. E quando te ferirem, deixa que o sangue jorre enlouquecendo também os que te feriram.
Depois se foi. Nunca mais o vi. Mas sei que existem outros como ele, isso eu queria dizer a você: eles estão aqui.
Os habitantes da vila levaram muitos dias para voltarem ao normal — depois dos homens terem provado do sexo de outros homens, e também dos peitos das mães e das irmãs, e de terem bebido dos pais o mesmo líquido de que foram feitos, e de terem cruzado com animais e se submetido à luxúria dos cães e dos cavalos e dos touros, e de terem possuído a terra e a palha como se fossem mulheres ou o reverso de homens iguais a eles —, mas não voltaram. Agora os dias não são mais de pesca, sono, sesta, cadeiras sem procuras na frente das casas. Todos buscam com olhos desvairados luzes estranhas no céu, alfa, beta, gama, delta, sinas, signos, cumprem esquisitos rituais de devoção e perdição. Nada sabem. Nem sequer lembram dos três seres e do menino: foram apenas despertos para o oculto. Mas não sabem o que fazer do desconhecido — do imensamente permitido — revelado. E não podem voltar atrás.
Eu disse a você que ver era irreversível. Eles viram. Às vezes penso se eles não sabem que eu sei, e desta substância clara correndo dentro de minhas veias. Às vezes escuto murmúrios indistintos e agressivos quando saio às ruas. Mais cedo ou mais tarde, alguma coisa vai acontecer. Talvez me firam, mas, quando isso acontecer, das minhas veias vai escorrer tanta loucura que eles não voltarão nunca do inferno onde serão jogados por meu sangue. Ainda não os odeio o suficiente. Mas esse ódio cresce dia a dia: eles mataram a claridade. Não souberam entender que haviam sido escolhidos. Os seres não voltarão jamais. A vingança foi perfeita. Eles ficarão perdidos na treva da insatisfação até o fim de seus dias. E mesmo aquele menino que eu amava porque era como eu não me atrevi a ser ou os outros como ele que existem por aí consigam que a luz se faça em outros pontos do mundo, aqui não chegará um raio.
Por isso meu ódio cresce Quando atingir um nível insuportável, não será difícil: basta uma lâmina contra o pulso. Nem isso. Uma simples picada de alfinete. Menos até Um arranhão. Talvez aquele menino volte, talvez eu esteja mesmo sozinho, talvez você ache que sou louco. Queria que você entendesse que apenas contei o que realmente aconteceu, e se isso que aconteceu é loucura, quem enlouqueceu foi o real, não eu, ainda que você não acredite. Não tem importância. A história é essa, talvez eu tenha falado mais do que devia, mas tenho uma certeza dura de que nem você nem os outros todos perdem por esperar. Cuidado: eles estão aqui: à nossa volta: entre nós: ao seu lado: dentro de você.


Caio Fernando Abreu

22 outubro 2008

Zero grau de Libra

Sobre todos aqueles que continuam tentando,
Deus, derrama teu Sol
mais luminoso.
Caio Fernando Abreu


O Sol entrou ontem em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda destraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas. Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé - e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal.

Nesse zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos de Deus um olho bom sobre o planeta terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo. Um olho quente sobre aquele mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima. Eu queria o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaraná pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como: “você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete? – e outro grunhe em resposta.

Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.

Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes pelos bares. Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de taxi que confessa não Ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto- olha por todos aqueles que queria ser outra coisa qualquer a que não a que são, e viver outra vida se não a que vivem.

Não esquece do rapaz viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins. Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esse que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.

Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio - Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminoso, esse zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada.

Caio Fernando Abreu, n’O Estado de S. Paulo, 24/09/86.

21 outubro 2008

Sobre o amor


Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciasse - eu te amo -, mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam. Era uma defesa intolerante contra os levianos e que refletia sem dúvida uma enorme insegurança de seu inventor. Insegurança e inexperiência. Com o passar dos anos a idéia foi abandonada, a vida revelou-me sua complexidade, suas nuanças. Aprendi que não é tão fácil dizer eu te amo sem pelo menos achar que ama e, quando a pessoa mente, a outra percebe, e se não percebe é porque não quer perceber, isto é: quer acreditar na mentira. O mentiroso, nesses casos, não merece punição alguma.
Por aí já se vê como esse negócio de amor é complicado e de contornos imprecisos. Pode-se dizer, no entanto, que o amor é um sentimento radical - falo do amor-paixão - e é isso que aumenta a complicação. Como pode uma coisa ambígua e duvidosa à do vento: fluido e arrasador. É como o vento, também às vezes doce, brando, claro, bailando alegre em torno de seu oculto núcleo de fogo.
O amor é, portanto, na sua origem, liberação e aventura. Por definição, antiburguês. O próprio da vida burguesa não é o amor, é o casamento que é o amor institucionalizado, disciplinado, integrado na sociedade. O casamento é um contrato: duas pessoas se conhecem, se gostam, se sentem atraídas uma pela outra e decidem viver juntas. Isso poderia ser uma coisa simples, mas não é, pois há que se inserir na ordem social, definir direitos e deveres perante os homens e até perante Deus. Carimbado e abençoado, o novo casal inicia sua vida entre beijos e sorrisos. E risos e risinhos dos maledicentes. Por maior que tenha sido a paixão inicial, o impulso que os levou à pretoria ou ao altar (ou a ambos), a simples assinatura do contrato já muda tudo. Com o casamento o amor sai do marginalismo, da atmosfera romântica que o envolvia, para entrar nos trilhos da institucionalidade. Torna-se grave. Agora é construir um lar, gerar filhos, criá-los, educá-los até que, adultos, abandonem a casa para fazer sua própria vida. Ou seja: se corre tudo bem, corre tudo mal. Mas, não radicalizemos: há exceções - e dessas exceções vive a nossa irrenunciável esperança.
Conheci uma mulher que costumava dizer: não há amor que resista ao tanque de lavar (ou à máquina, mesmo), ao espanador e ao bife com fritas. Ela possivelmente exagerava, mas com razão, porque tinha uns olhos àvidos e brilhantes e um coração ansioso. Ouvia o vento rumorejar nas árvores do parque, à tarde incendiando as nuvens e imaginava quanta vida, quanta aventura estaria se desenrolando naquele momento nos bares, nos cafés, nos bairros distantes. À sua volta certamente não acontecia nada: as pessoas em suas respectivas casas estavam apenas morando, sofrendo uma vida igual à sua. Esssa inquietação bovariana prepara o caminho da aventura , que nem sempre acontece. Mas dificilmente deixa de acontecer. Pode não acontecer a aventura sonhada, o amor louco, o sonho que arrebata e funda o paraíso na terra. Acontece o vulgar adultério - o assim chamado -, que é quase sempre decepcionante, condenado, amargo e que se transforma numa espécie de vingança contra a mediocridade da vida. É como uma droga que se toma para curar a ansiedade e reajustar-se ao status quo. Estou curada, ela então se diz - e volta ao bife com fritas.

Mas, às vezes não é assim. Às vezes o sonho vem, baixa das nuvens em fogo e pousa aos teus pés um candelabro cintilante. Dura uma tarde? Uma semana? Um mês? Pode durar um ano, dois até, desde que as dificuldades sejam de proporção suficiente para manter vivo o desafio e não tão duras que acovardem os amantes. Para isso, o fundamental é saber que tudo vai acabar. O verdadeiro amor é suicida. O amor, para atingir a ignição máxima, a entrega total, deve estar condenado: a consciência da precariedade da relação possibilita mergulhar nela de corpo e alma, vivê-la enquanto morre e morrê-la enquanto vive, como numa desvairada montanha-russa, até que, de repente, acaba. E é necessário que acabe como começou, de golpe, cortado rente a carne, entre soluçoes, querendo e não querendo que acabe, pois o espírito humano não suporta tanta realidade, como falou um poeta maior. E enxugados os olhos, aberta a janela, lá estão as mesmas nuvens rolando lentas e sem barulho pelo céu deserto de anjos. O alívio se confunde com o vazio, e você agora prefere morrer.
A barra é pesada. Quem conheceu o delírio dificilmente se habitua à antiga banalidade. Foi Gogol, no Inspetor Geral, quem captou a decepção desse despertar. O falso inspetor mergulhara na fascinante impostura que lhe possibilitou uma vida de sonho: homenagens, bajulações, dinheiro e até amor da mulher e da filha do prefeito. Eis senão quando chega o criado, trazendo-lhe o chapéu e o capote ordinário, signos da sua vida real, e lhe diz que está na hora de ir-se pois o verdadeiro inspetor está para chegar. Ele se assusta: mas então está tudo acabado? Não era verdade o sonho? E assim é: a mais delirante paixão, terminada, deixa esse sabor de impostura na boca, como se a felicidade não pudesse ser verdade. E no entanto o foi, e tanto que é impossível continuar vivendo agora, sem ela, normalmente. Ou, como diz Chico Buarque: sofrendo normalmente.
Evaporado o fantasma, reaparece em sua banal realidade o guarda-roupa, a cômoda, a camisa usada na cadeira, os chinelos. E tudo impregnado da ausência do sonho, que é agora uma agulha escondida em cada objeto, e te fere, inesperadamente, quando abres a gaveta, o livro. E te fere não porque ali esteja o sonho ainda, mas exatamente porque já não está: esteve. Sais para o trabalho, que é preciso esquecer, afundar no dia-a-dia, na rotina do dia, tolerar o passar das horas, a conversa burra, o cafezinho, as notícias do jornal. Edifícios, ruas, avenidas, lojas, cinema, aeroportos, ônibus, carrocinhas de sorvete: o mundo é um incomensurável amontoado de inutilidades. E de repente o táxi que te leva por uma rua onde a memória do sonho paira como um perfume. Que fazer? Desviar-se dessas ruas, ocultar os objetos ou, pelo contrário, expor-se a tudo, sofrer tudo de uma vez e habituar-se? Mais dia menos dia toda a lembrança se apaga e te surpreendes gargalhando, a vida vibrando outra vez, nova, na garganta, sem culpa nem desculpa. E chegas a pensar: quantas manhãs como esta perdi burramente! O amor é uma doença como outra qualquer.
E é verdade. Uma doença ou pelo menos uma anormalidade. Como pode acontecer que, subitamente, num mundo cheio de pessoas, alguém meta na cabeça que só existe fulano ou fulana, que é impossível viver sem essa pessoa? E reparando bem, tirando o rosto que era lindo, o corpo não era lá essas coisas... Na cama era regular, mas no papo um saco, e mentia, dizia tolices, e pensar que quase morro!...
Isso dizes agora, comendo um bife com fritas diante do espetáculo vesperal dos cúmulos e nimbos. Em paz com a vida. Ou não.

Autor: Ferreira Gullar

11 outubro 2008

Enzo


Porque já é quse dia das crianças e me deu uma vontade absurda de escrever sobre isso. ia escrever sobre o pequeno príncipe, a quem chamo intimamente de eu criança. depois resolvi falar sobre meu hábito de ouvir músicas dos meus tempos de trma da xuxa.

melhor que tudo isso, no entanto, é escrever sobre a pessoinha mais encantadora e iluminada do mundo, o Enzo - ou enzico, com queiram.

só porque ele já se tornou meu amuleto particular e tem a risada mais encantadora do mundo. porque fico completamente idiota por um sorriso dele. porque acompanhar o crescimento dele é um presente constante. porque entender o universo das crianças, visto de fora, me engrandece. porque ele me faz lembrar todos os dias o quão importante é estar por perto. porque sem falar muito mais que "ai dé", ele me diz muito. e porque o dia das crianças voltou a ter um sentido pra mim - e só por ele eu encaro o camelão lotado.

09 outubro 2008

música bonitinha

achei essa música bonitinha.

Cansaço.

ando cansada, um cansaço na alma. um cansaço que só cura com o abraço que não chega nunca. tô cansada dessa vida adulta, desse dia-após-dia tão enfadado, cheios de coisas pequenas e sem graça. tô cansada de dias em preto e branco e completamente foscos. fico cansada de sentir uma saudade absurda e de perder a esperança. tô cansada de fazer tudo sempre igual e ver tudo sempre igual e querer tudo sempre diferente. tô cansada dessa "punhetagem", dessa coisinha que não sai do mais ou menos. tô cansada de mim e de todo mundo e de não ter ninguém. cansei do que há por vim, do que não depende mais de mim. tô cansada de ter paciência, de ter que entender. é um cansaço que se instalou em mim e só vai embora se eu fujo de mim. ando cansada, muito cansada...

08 outubro 2008

O centro das atenções

O Centro das atenções.

Os cientistas estudam e pesquisam incansavelmente para descobrir a cura do câncer, a vacina para a Aids e tantas outras soluções que aplaquem as doenças que nos rondam. Enquanto isso, os psicanalistas tentam aliviar nossas doenças da alma, nossos solavancos do coração. Mas como nem todos têm condições de pagar umas visitas ao divã, tentam sozinhos descobrir a cura para este mal que já afligiu, aflige ou ainda irá afligir 100% da população: a dor-de-cotovelo.

Como amor é assunto recorrente desta coluna, muitos acham que tenho a fórmula mágica para aniquilar as dores provocadas pela paixão. Tenho nada. Tenho são os meus palpites. E uma antena que capta frases, depoimentos, tudo o que possa ajudar. Um dia desses uma leitora me escreveu um e-mail simpático, dizendo que havia lido ou escutado em algum lugar uma coisa que ela achava que fazia sentido: “O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções”.

Faz, sim, todo o sentido. Na hora da saudade, da tristeza, do desamparo, é com ele que contamos: o tempo. Queremos dormir e acordar dez anos depois curados daquela idéia fixa que se instalou no peito, aquela obsessão por alguém que já partiu de nossas vidas. No entanto, tudo o que nos invadiu com intensidade, tudo o que foi realmente verdadeiro e vivenciado profundamente não passa. Fica. Acomoda-se dentro da gente e de vez em quando cutuca, se mexe, nos faz lembrar da sua existência. O grande segredo é não se estressar com este inquilino incômodo, deixá-lo em paz no quartinho dos fundos e abrir espaço na casa para outros acontecimentos.

Nossas atenções precisam ser redirecionadas. Ficar olhando antigas fotos, relendo antigas cartas ou lembrando antigas cenas é tirar a dor do quarto dos fundos e trazê-la para o meio da sala. Evite.

O tempo só será generoso na medida em que você usá-lo para fazer coisas mais produtivas: procurar amigos sumidos, praticar um esporte, retomar um projeto adiado, viajar. As atenções têm que estar voltadas para os lados e para a frente. O quartinho dos fundos tem que ficar fechado uns tempos, a dor mantida em cativeiro, sem ser alimentada.

Amores passados contentam-se com migalhas e sobrevivem muito: ajude-se, negando-lhes qualquer banquete. A fartura agora tem que ser de vida nova.

Martha Medeiros

06 outubro 2008

Tenho escutado com frequência, as músicas de Mallu Magalhães. Para quem não conhece, deixo de tarefinha de casa. Ela tem uma voz gostosinha de escutar, faz músicas do tipo que não dá vontade de parar de escutar, e sem querer se tornou uma estrategista de marketing genial: hoje ela tem mais de 2 milhões de visualizações no seu perfil do MySpace, com mérito próprio. até abril mais ou menos ela sequer aparecia em rádio e TV e já tinha conquistados números de causar inveja até aos mais adeptos ao sucesso. Até coloquei uma músiquinha dela com o Marcelo Camelo, outra cara "dos bão."
Viciei no som dela e recomendo.


Beijos!


Alguma coisa acontece no meu coração.

Quase sempre que declaro meu amor por São Paulo, me vejo ameaçada por tapas e pontapés. A maioria das pessoas simplesmente não entende como posso gostar tanto da cidade mais estressante do país. Mas meu encanto não é infundado, eu realmente acho a terra da garoa uma cidade maravilhosa.

Penso que só não ama São Paulo quem não conhece os benefícios da cidade e tem de lá uma imagem de um lugar meramente capitalista e desprovida de outras belezas. Não gosta de São Paulo quem não caminhou pelo Ibirapuera em um domingo, não andou pelos Jardins, quem não viu o Sol do fim de tarde brilhar na Estação da Luz.

Imagino mesmo que Sampa possa ser uma cidade que cause receios, a menos para quem desfrutou das maravilhas de se viver numa cidade onde tudo acontece. É, de fato, quase impossível gostar de São Paulo sem conhecer o Mercado Público, o Parque da Luz, sem passear pela Oscar Freire ou fazer compras na José Paulino.

Para quem pouco se interessa por história do Brasil, claro, é impensável achar São Paulo tão interessante. Não se encanta por São Paulo quem não conhece o Museu do Ipiranga, o da Língua Portuguesa, quem não viu uma exposição no MASP, quem nunca foi na Bienal.

Sinceramente, não consigo enxergar São Paulo com olhos de terror. Adoro a Avenida Paulista e as livrarias de lá. Adoro poder escolher qual teatro vou freqüentar, adoro a opção de cinemas, adoro estar tão perto das melhores baladas do Brasil.

São Paulo não é só Banco, não é só violência, muito menos se resume a trânsito. É pequeno demais reduzir Sampa a tão pouco. São Paulo é o centro econômico e cultural brasileiro. É onde acontecem os melhores espetáculos, onde estão os melhores bares e restaurantes, onde estão as melhores universidades.

Vou pouco a São Paulo, certamente menos do que eu gostaria, mas já peguei fins de tarde lindos por lá. Sou apaixonada por São Paulo e alguma coisa acontece no meu coração, quando cruza a Ipiranga com a Avenida São João e quando passeio pela Avenida Angélica, ou quando chego de metrô no bairro da Liberdade. Alguma coisa acontece também quando passo pela Avenida Augusta, pela Alameda Lorena e quando flano pela Vila Mariana. Por onde quer que eu passe, São Paulo sempre faz meu coração bater mais forte.

03 outubro 2008

[E por falar em dar... dar não é fazer amor. Dar é dar. Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido, mas dar é bom pra cacete. Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca, te chama de nomes que eu não escreveria, não te vira com delicadeza, não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom. Melhor do que dar, só dar por dar. Dar sem querer casar, sem querer apresentar pra mãe, sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo. Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral, te amolece o gingado, te molha o instinto. Dar porque a vida de uma publicitária em começo de carreira é estressante e dar relaxa. Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã. Tem caras que você vai acabar dando, não tem jeito. Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem esperar ouvir futuro. Dar é bom. Na hora. Durante um mês. Para as mais desavisadas, talvez por anos. Mas dar é dar demais e ficar vazia. Dar é não ganhar. É não ganhar um “eu te amo” baixinho, perdido no meio do escuro. É não ganhar uma mão no ombro quando o caos da cidade parece querer te abduzir. É não ter alguém pra querer casar, para apresentar pra mãe, pra dar o primeiro abraço de Ano Novo e pra falar: "Que cê acha, amor?". Dar é inevitável, dê mesmo, dê sempre, dê muito. Mas dê mais ainda, muito mais do que qualquer coisa, uma chance ao amor, esse sim é o maior tesão. Esse sim relaxa, cura o mau humor, ameniza todas as crises e faz você flutuar o suficiente pra nem perceber as catarradas na rua.]
Tati Bernardi.

02 outubro 2008

Suspiros


Hoje acordei cansada. Cansei de bancar a forte e fazer de tudo o que passou um grande aprendizado. Cansei de fingir que já não dói mais, um fingimento tão bem fingido que todo mundo até acredita que não dói mesmo.

E só porque você me deixou sozinha nesse dia cinza, enquanto ia fazer sua vida ser vida, eu resolvi arrumar um outro vicio que não fosse você. E só porque eu achei que você pudesse - quem sabe, talvez, por que não? – também sentir saudade, a minha saudade resolveu ficar maior do que meu coração.

E também cansei de brincar de só-eu-sinto-a-sua-falta. O jogo agora mudou para eu-também-sinto-a-sua. Porque eu já descobri o quanto a sua ausência incomoda, então talvez você possa me dizer o quanto eu te faço falta. E se você topar brincar comigo, a gente pode parar de fazer de conta que não aconteceu nada, e conversar, e rir e, só de vez quando, se abraçar, pra tentar ser um pouquinho como a gente era antes.

E de repente eu posso parar de sufocar essas coisas que eu queria dizer, mas não consigo, e que mesmo assim insistem em sair. E que ficam repetindo na cabeça, feito música ruim, até que eu escreva, só porque eu acho que talvez você possa ler. E caso você leia, quem sabe eu até consigo te fazer sorrir pensando em mim.

Mesmo porque, eu esqueci de dizer, algumas obviedades também me cansam. Porque, claro, óbvio que não há mais nada a se dizer, e óbvio que teu cheiro não me perturba mais, e óbvio que não penso mais na gente. Mas às vezes, só às vezes, eu não sou uma pessoa óbvia.

E hoje cansei de não gostar mais das músicas que eu gostava, nem usar o perfume que usava, só porque essas coisas te faziam tão presente. E resolvi que voltei a gostar de pão-de-mel, mesmo que eu não tenha mais você pra dividir.

E também cansei de dormir em braços errados, só porque esses braços me fazem, de alguma forma, te sentir mais perto. E achei muito chata essa coisa de ser de todo mundo, porque na verdade eu queria ser só sua outra vez. E cansei de procurar no resto da humanidade um pouco de você, já que a sua parte que cabe a mim, eu não sei onde você deixou.

E hoje eu resolvi te ligar e perguntar da tua vida, mas na verdade era só pra te contar sobre a minha. O que eu queria era só te fazer acreditar que eu quase nem me importo se você se importa. Mas a verdade é que o quê eu queria mesmo dizer era que suspiros ainda me fazem lembrar você.